Por Mariluz Coelho e João Ramid

Foto: João Ramid | Edição IA.
Nesta segunda-feira Santa, 21, após o domingo de Páscoa, o mundo perdeu uma das vozes mais influentes na luta por justiça ambiental. Mais do que líder espiritual, Francisco foi um farol para o pensamento ambiental global, um Papa que ouviu tanto o “clamor da Terra” quanto o “clamor dos pobres”, como escreveu em sua mais célebre encíclica.
Publicada em 2015, Laudato Si’, sobre o cuidado da casa comum marcou uma guinada histórica no pensamento da Igreja. Ao romper as barreiras entre fé e ciência, o documento fez um apelo à consciência planetária, denunciando o modelo de desenvolvimento que reduz a natureza a recurso explorável e os mais pobres a vítimas invisíveis da degradação ambiental.
“Tudo está interligado”, escreveu Francisco, em um trecho que sintetiza a cosmovisão ecológica do Papa. Seu olhar contemplativo sobre a criação se traduzia em urgência política. Para ele, o cuidado ambiental não era acessório da fé cristã, mas parte essencial da missão de uma Igreja comprometida com a justiça social e a dignidade da vida.
A Laudato Si’ foi considerada um marco não apenas para a Igreja, mas também para a diplomacia ambiental mundial. Nunca antes um Papa havia se posicionado de forma tão contundente sobre a crise climática. O documento influenciou debates internacionais e preparou o clima político e moral para o Acordo de Paris, assinado poucos meses depois.

Participação ativa: Papa em conversa com o Secretário-geral ad ONU, António Guterres com o Papa no Vaticano. Foto Reprodução ONU/Rein Skullerud.
Durante seu pontificado, Francisco tornou-se presença simbólica nas principais conferências internacionais sobre mudança do clima. Ainda que nem sempre fisicamente presente, suas mensagens às COPs, especialmente à COP21, em Paris, e à COP28, em Dubai, ecoaram entre chefes de Estado e ativistas, sempre chamando à responsabilidade moral.
Foi também um dos primeiros líderes religiosos a apoiar publicamente o Acordo de Paris. “Um passo importante, embora ainda insuficiente, no cuidado com a criação”, disse o Papa após a divulgação do documento. Para Francisco, combater as mudanças climáticas é obrigação ética, sobretudo para proteger os mais vulneráveis, os que menos contribuem para a crise e mais sofrem suas consequências.
Amazônia, povos originários e conversão ecológica

Francisco defendeu o reconhecimento dos saberes tradicionais e a denúncia do extrativismo predatório na Amazônia. Foto: João Ramid.
O Papa Francisco deu especial atenção à Amazônia. Em 2019, convocou o Sínodo da Amazônia, reunindo bispos, indígenas, cientistas e lideranças sociais para discutir a defesa da floresta e de seus povos. Na Exortação Apostólica Querida Amazônia, defendeu uma ecologia integral, o reconhecimento dos saberes tradicionais e a denúncia do extrativismo predatório.
“A Amazônia é um espelho de toda a humanidade”, afirmou. Com isso, apontou que o destino da floresta não diz respeito apenas aos países que a abrigam, mas à sobrevivência planetária.
Além disso, apoiou a criação do Movimento Laudato Si’, que hoje mobiliza católicos em ações concretas de cuidado ambiental em dezenas de países.
Um alerta final ao mundo

O Papa criticava a lentidão das políticas públicas e cobrava coragem dos líderes globais. Foto: João Ramid.
Em 2023, oito anos após Laudato Si’, o Papa publicou a exortação apostólica Laudate Deum. O tom era mais grave, quase desesperado. Francisco alertava que “ainda não estamos reagindo com suficiente seriedade” à emergência climática. Sem rodeios, criticava a lentidão das políticas públicas e cobrava coragem dos líderes globais.
“Aqueles que pretendem ridicularizar este fato estão ignorando a realidade. Não há dúvida de que o impacto das mudanças climáticas será cada vez mais devastador”, escreveu.
Um legado vivo
Com sua morte, Francisco deixa um legado que ultrapassa as fronteiras da religião. A ecologia integral que defendeu aponta para uma mudança civilizatória baseada no respeito à vida, à terra e à justiça social. Sua voz seguirá viva entre jovens, cientistas, comunidades tradicionais e crentes que encontram, na fé e na razão, motivos para agir.
Para o Papa Francisco, ecologia integral significa compreender que tudo está conectado o meio ambiente, a sociedade, a economia, a cultura e a vida espiritual. Não existe separação entre cuidar da natureza e cuidar das pessoas, especialmente os pobres e os mais vulneráveis.
Na Praça de São Pedro, onde agora se reúnem fiéis para se despedir do pontífice, ecoam não só orações, mas também a esperança de que o próximo Papa mantenha acesa a chama da conversão ecológica. O mundo está em luto e a natureza em silêncio.